February 16th, 2021 A recuperação judicial dos clubes de futebol como alternativa de sobrevivência

Em tempos pandêmicos em que o mundo busca freneticamente uma solução para a medicação e a prevenção do covid-19, o mundo do futebol corre atrás de um antídoto para a gravíssima crise econômico-financeira vivenciada por grande parte dos clubes.

Péssimas gestões, profissionais desqualificados e o produto “Campeonato Brasileiro” desvalorizado são alguns dos aspectos que tornam os clubes reféns das cotas de televisão e da venda de atletas profissionais, muitos destes ainda extremamente jovens, promessas que se valorizadas no decorrer do tempo poderiam render valores muito maiores aos seus clubes formadores.

Isto posto, cumpre asseverar que a grande maioria dos clubes de futebol brasileiros são constituídos sob a estrutura de associações sem fins lucrativos, estrutura esta que indubitavelmente limita o crescimento destas instituições. De acordo com um estudo recente elaborado pela Ernst & Young1, 92% (noventa e dois por cento) dos clubes da primeira e segunda divisões do Brasileirão são associações sem fins lucrativos, enquanto na Europa estes números se invertem, de maneira que se levarmos em consideração a primeira divisão das 05 (cinco) maiores ligas de futebol do continente europeu2, 92% dos times se organizam como clube-empresa.

Vale destacar ainda que os responsáveis pela direção dos clubes brasileiros administram absolutamente tudo que envolve o cotidiano da instituição, de modo que os dirigentes, concomitantemente, cuidam do departamento de futebol, de esportes olímpicos e amadores, das atividades sociais, sem sequer auferir qualquer remuneração para tanto em contrapartida.

Portanto, são médicos, engenheiros e advogados que não estão imersos integralmente na administração da associação, eis que exercem suas profissões durante uma parte do dia, com o fim de obterem o sustento familiar.

Este é um dos motivos para a grande maioria dos times apresentar resultados deficitários recorrentemente, possuindo dívidas astronômicas com o governo, os bancos, os atletas e os fornecedores.

Tudo a evidenciar o amadorismo perpetrado na administração dos clubes de futebol, que são geridos quase em sua totalidade por indivíduos incapacitados para o exercício das funções atribuídas, bem como, em certos casos, por sujeitos maliciosos, que, cientes da habitual inimputabilidade, utilizam-se da instituição para atingir interesses escusos.

Em recente relatório3, produzido pelo Itaú BBA, acerca dos balanços divulgados pelos 24 (vinte e quatro) clubes melhores colocados no ranking esportivo da CBF, constatou-se que o futebol tupiniquim passará a ser dividido em dois blocos, sendo o primeiro composto por clubes com gestão eficiente e desempenho esportivo, como o Flamengo e Grêmio, que possuem uma relação entre a dívida bruta de curto prazo e as receitas totais em nível inferior a 45% (quarenta e cinco por cento), e o segundo constituído pelas instituições com gestão amadora repetidora de velhas práticas mal sucedidas, dentre elas Vasco, Botafogo, Fluminense, Cruzeiro, Corinthians, São Paulo, Internacional, Atlético Mineiro e Santos, isto é, a grande maioria dos clubes brasileiros.

Destaque-se que a pandemia de covid-19 certamente agravará ainda mais os resultados dos clubes em 2020, considerando o adiamento de campeonatos, a ausência de público nos jogos e a perda de sócios-torcedores, motivos pelos quais estima-se que as receitas somadas dos times de futebol retraíram entre R$ 1.300.000.000,00 (um bilhão e trezentos milhões de reais) a R$ 1.700.000.000 (um bilhão e setecentos milhões de reais) em 2020.

O relato, embora pareça despiciendo, tem um motivo maior, qual seja a necessidade cada vez maior de uma gestão profissional e proba dos clubes de futebol, de modo que determinadas medidas sejam adotadas para que este almejado fim seja atingido.

Uma relevante iniciativa foi o PL 5.082/2016, de autoria dos Deputados Federais Otávio Leite e Domingos Sávio e relatoria do Deputado Federal Pedro Paulo, que dispõe sobre o clube-empresa, cria o Regime Especial de Tributação de Entidades de Prática Desportiva Profissionais de Futebol (Simples-Fut), além de outras providências, dentre elas a possibilidade dos clubes se utilizarem do instituto da Recuperação Judicial.

Vale destacar que o clube-empresa é tido atualmente como o antídoto para solucionar a gravíssima situação econômico-financeira vivenciada pelos clubes ao viabilizar uma gestão mais profissional e eficiente das entidades de prática desportiva, possibilitando a reestruturação das finanças dos clubes, que acumulam anos de administrações inexitosas.

A transformação dos clubes associativos tem como referência os modelos adotados em instituições de países como Inglaterra, Alemanha, Portugal e Espanha, ultrapassando, inclusive, as barreiras do futebol ao ter como parâmetro também organizações ligadas a outros esportes, como basquete, futebol americano e beisebol, que têm seus principais clubes constituídos no formato empresarial.

Cumpre salientar que no presente momento, além do PL supramencionado, existem outros dois tramitando no Congresso Nacional, quais sejam o PL 5516/20194, que dispõe sobre a criação do Sistema do Futebol Brasileiro mediante a tipificação da Sociedade Anônima do Futebol, e o PL 68/20175, que institui a Lei Geral do Esporte.

Contudo, o PL 5.082/2016 encontra-se em estágio mais avançado em relação aos demais, tendo sido o texto inicial aprovado pela Câmara dos Deputados em 27.11.2019 e encaminhado ao Senado Federal. Destaca-se, dentre os diversos pontos abordados pelo referido PL, a possibilidade de o clube-empresa requerer a Recuperação Judicial, Extrajudicial ou Falência, na forma da lei 11.101/05, conforme previsto no artigo 27:

Art. 27. O clube-empresa poderá requerer recuperação judicial, extrajudicial ou falência, na forma da Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005.

O dispositivo previsto no PL representa um grande avanço na reestruturação econômico-financeira dos clubes de futebol, dando a estes mais uma alternativa para o seu soerguimento. Aliás, com o objetivo exatamente de estimular esta recuperação da saúde financeira das instituições desportivas, o parágrafo 1º do artigo 27 prevê a desnecessidade de comprovação do exercício regular das atividades há mais de 2 (dois) anos, requisito este previsto no caput do artigo 48 da lei 11.101/05:

§ 1º Não se aplica ao clube-empresa a obrigação de comprovar o exercício regular de suas atividades há mais de 2 (dois) anos prevista no caput do art. 48 da Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005.

Importante ressaltar também que o deferimento do pedido de Recuperação Judicial não implicará em circunstância alguma no impedimento de participar das competições oficiais organizadas por entidades nacionais ou regionais de administração do desporto, consoante o artigo 28 do PL.

Como se vê, indubitavelmente o PL 5.082/2016 facilitará o requerimento de Recuperação Judicial pelos clubes de futebol, eis que estipula expressamente a viabilidade desta alternativa, enquanto a lei 11.101/05 prevê esta possibilidade apenas ao empresário e à sociedade empresária.

No entanto, é de se destacar que o referido cenário não retrata a atual realidade, eis que atualmente apenas 8% (oito por cento) dos clubes brasileiros são constituídos sob o formato de clube-empresa6 e o PL 5.082/2016 ainda encontra-se em tramitação no Senado Federal, razão pela qual, teoricamente, estes clubes-empresa ainda precisariam comprovar a inscrição na Junta Comercial há mais de 2 (dois) anos na ocasião de um eventual pedido de Recuperação Judicial. Nesta conjuntura ainda, as associações sem fins lucrativos sequer poderiam requerer a Recuperação Judicial, eis que a lei 11.101/05 estipula esta possibilidade apenas ao empresário e à sociedade empresária.

Ocorre que, como sabido, apesar da Lei de Recuperação e Falência não abarcar a oportunidade de fruição da Recuperação Judicial às associações sem fins lucrativos, esta, ao mesmo tempo, não veda expressamente a utilização deste instituto por instituições constituídas sob este formato societário.

Em razão disto, possível se torna uma construção principiológica, sistemática e teleológica acerca do tema, aplicando-se a teoria do diálogo das fontes, cuja finalidade é a interpretação unitária do ordenamento jurídico. Assim, trazendo esta concepção para a matéria aqui abordada, entende-se que o artigo 1º da lei 11.101/05 deve ser interpretado juntamente com o artigo 27, § 6º, da Lei Pelé, isto é, de forma que o ordenamento jurídico seja analisado de uma maneira macro sistêmica.

Apenas à guisa de compreensão adequada, estipula o artigo 27, § 6º da Lei Pelé7 que as entidades de prática desportiva poderão fazer jus a programas de recuperação econômico-financeiros, dentre eles a Recuperação Judicial, no entendimento do autor do presente trabalho.

Nesta mesma linha entendem os ilustríssimos juristas Pedro Teixeira e Vanderson Braga Filho, senão vejamos:

A segunda corrente, capitaneada por estes autores, mais principiológica, sistemática e teleológica, entende ser possível juridicamente entidades desportivas, constituídas como associações civis sem fins lucrativos, postularem Recuperação Judicial, promoverem Recuperação Extrajudicial e mesmo falir, na forma da lei 11.101/05.

Vale destacar, como pressuposto do primeiro argumento adotado nesse subgrupo, que a ideia de que as leis devem ser aplicadas de forma isolada umas das outras deve ser afastada pela teoria do diálogo das fontes, cada vez mais em voga no Direito brasileiro, segundo a qual o ordenamento jurídico deve ser interpretado de forma unitária.

A teoria surge para fomentar a ideia de que o Direito deve ser interpretado como um todo de forma sistemática e coordenada. Dessa forma, o direito concursal – mormente a lei 11.101/2005 – deve ser aplicado, quando se está diante de uma agremiação desportiva que seja uma associação civil sem fins lucrativos em situação de crise econômico-financeira, em cotejo com o que dispõe a legislação desportiva nacional – sobremodo a Lei Pelé -, espécie normativa específica para o fomento das práticas desportivas (art. 217 da CRFB-1988), interpretando-se de forma coordenada e sistemática, em consonância com os preceitos constitucionais.

Segundo a teoria do diálogo das fontes, uma norma jurídica não excluiria a aplicação da outra, como acontece com a adoção dos critérios clássicos para solução dos conflitos de normas – antinomias jurídicas – idealizados por Norberto Bobbio. Eis que o diálogo entre as fontes ora se dará através da aplicação conjunta de duas normas ao mesmo tempo, ora mediante a complementação de uma norma a outra, ora por meio da aplicação subsidiária de uma norma a outra.

Nesse sentido, registre-se que o artigo 27, § 6º, da Lei Pelé determina, expressamente, a possibilidade de entidades desportivas ‘independentemente da forma jurídica adotada’, isto é, podendo ser associações civis sem fins lucrativos ou sociedades empresárias, ‘fazer jus a programas de recuperação econômico-financeiros’.

(…)

A toda evidência, os mecanismos da Recuperação Judicial e da Recuperação Extrajudicial, institutos consagrados na lei 11.101/2005, são dois notáveis exemplos de programas de recuperação econômico-financeiros previstos no sistema jurídico brasileiro, de modo a viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da recuperanda, sua função social e o estímulo à atividade econômica8.

Seguindo nesta mesma lógica, em julgamento recente acerca da possibilidade de utilização do instituto por associações civis, a 6ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, em uma verdadeira aula, manteve a brilhante decisão9 proferida pela douta magistrada Maria da Penha Nobre Mauro, da 5ª Vara Empresarial do TJ/RJ, concedendo a Recuperação Judicial à Universidade Cândido Mendes10, associação civil sem fins lucrativos.

Como se vê, apesar de amplamente difundido o entendimento relativo à impossibilidade de as associações sem fins lucrativos requererem a Recuperação Judicial11, certo é que tal prerrogativa é viável juridicamente nos casos em que o artigo 2º da lei 11.101/05 não veda expressamente.

Como a hipótese dos clubes de futebol, eis não constarem no rol do dispositivo legal supramencionado as associações sem fins lucrativos, não subsistindo motivos, portanto, para uma interpretação extensiva da referida norma, de modo a impedi-los de se valerem do instrumento de reabilitação.

Isto porque, apesar de se tratarem de associações sem fins lucrativos, as entidades desportivas exercem clara função social ao desempenharem sua atividade econômica, gerando inúmeros empregos diretos e indiretos, bem como arrecadando quantia vultuosa para o Estado a título de contribuição tributária, o que evidencia as características de uma sociedade empresária.

Neste sentido, esclarecem os autores Pedro Teixeira e Vanderson Braga Filho:

É indiscutível, como já ressaltado, a importância das entidades desportivas, mormente os grandes clubes de futebol, frente à economia, bem como a notável função social que exercem. Ademais, não há como se negar que a bancarrota de uma agremiação desportiva, principalmente uma entidade grande de futebol, prejudica a todos que dela dependem e, de modo geral, toda a sociedade12.

Nesta linha de raciocínio, conclui-se que os clubes desempenham uma atividade empresária, nos moldes do artigo 966 do Código Civil, tendo em vista realizarem “atividade econômica organizada para a produção ou circulação de bens ou serviços”, cumprindo indubitavelmente uma função social.

Importante ressaltar ainda que os 20 (vinte) clubes de maior faturamento do país tiveram uma receita acumulada de cerca de R$ 6.000.000.000,00 (seis bilhões de reais)13 em 2019, o que corrobora a importância deste mercado e a manutenção de seus players. Por outro lado, o endividamento destes clubes ultrapassa a monta de R$ 8.000.000.000,00 (oito bilhões de reais), sendo cerca de 37% (trinta e sete por cento) deste valor referente a tributos, restando patente a necessidade de um instrumento para auxiliar estas instituições desportivas a se reabilitarem.

Assim, injusto seria nesta circunstância dar uma interpretação extensiva ao dispositivo legal, impossibilitando os clubes de usufruírem do instituto da Recuperação Judicial, possivelmente o único remédio para a crise econômico-financeira vivenciada por estes.

Ademais, insta salientar que, a partir do soerguimento destes devedores do mundo do futebol através da Recuperação Judicial, é possível prever um contexto em que os clubes apresentarão um faturamento anual maior, gerando ainda mais empregos e pagando ainda mais impostos, o que denota a imprescindibilidade do uso do instituto pelas associações.

Assim, o magistrado não se deve ater à natureza jurídica do agente econômico, mas sim no impacto da atividade econômica por ele desenvolvida, analisando a questão de uma perspectiva macro, tanto macroeconômica quanto macrossocial.

Obviamente, é de se destacar a importância de não banalizar o instituto da Recuperação Judicial, de modo que este venha a ser utilizado por entidades sem qualquer viabilidade econômico-financeira, tendo em vista que estas quando não apresentam possibilidades de reabilitação tornam-se tóxica à sociedade.

Neste sentido:

Não se pode criar, com os remendos pontuais e isolados, com o auxílio de entes estatais nas mais diversas esferas de poder, um mecanismo indiscriminado de conservação de qualquer agremiação desportiva que seja uma associação civil sem fins lucrativos; mister saber em que casos as entidades desportivas devem ser liquidadas ou preservadas.

(…)     

Destaque-se também que uma agremiação desportiva em crise e que não seja viável torna-se perigosa, de modo que, se não tirada de atividade, continuará operando e cada vez mais se endividando. À medida que aumenta suas dívidas, amplia também o número de credores prejudicados; com isso, coloca-se em risco, não só a agremiação desportiva que já estava em crise, como também seus credores, que cada vez mais têm créditos que não se satisfazem14.

Por outro lado, dúvidas não subsistem acerca dos benefícios da Recuperação Judicial diante de uma instituição com plena capacidade de reabilitação, permitindo a reestruturação de instituições geradoras de empregos e pagadoras de tributos, isto é, que cumprem relevante função social. Observemos:

Decorre, porém, que a Recuperação Judicial permitirá uma análise e reestruturação mais profunda de todo o passivo da agremiação desportiva – compelindo quase a universalidade de credores (à exceção estrita atual da Fazenda Pública, conforme o art. 6º, § 7º, da lei 11.101/2005), das mais diversas classes, a sentarem na mesa de negociação, inclusive pactuando mediações, se entenderem necessárias. Estarão presentes, inclusive, os credores cíveis, que acabam por ficar fora dos tradicionais remendos legais e possuem (os credores cíveis) maior poder de barganha para um eventual condomínio de credores extrajudicial, que exige habilidade política dos dirigentes da entidade desportiva para o seu sucesso e boa vontade dos credores. Isto porque os credores cíveis possuem a tendência de desejarem o recebimento do crédito o mais rápido possível e sem qualquer deságio, sobremodo por intermédio das penhoras de cotas referentes a direitos de transmissão e, além disso, pode não solucionar totalmente o problema (como no caso do Grêmio Foot-Ball Porto Alegrense, que em breve tempo teve de renegociar novo condomínio). Além disso, sempre haverá o receio de que a agremiação desportiva descumpra o pactuado no condomínio de credores extrajudicial e seja necessário retomar a execução ou a cobrança judicial15.

Diante disto, necessário se faz a concessão da Recuperação Judicial para associações civis com ampla capacidade de reabilitação, com vistas a cumprir as finalidades indicadas no artigo 47 da lei 11.101/05, quais sejam a manutenção da fonte produtora, o emprego dos trabalhadores e os interesses dos credores.

Desse modo, este importante instrumento de superação de crise viabilizaria uma solução integral através da suspensão das execuções em face do devedor durante o período de 180 (cento e oitenta) dias, conhecido como stay period, bem como mediante o alinhamento do devedor com os credores com a consequente apresentação do Plano de Recuperação Judicial.

Outra grande vantagem da Recuperação Judicial, além da possibilidade de ampla reestruturação do passivo, é obter um fôlego em relação aos pagamentos dos credores (destacando os cíveis), pois o deferimento do processamento da Recuperação Judicial suspende por, no mínimo, 180 dias corridos, o curso das ações e execuções existentes contra o devedor. Esse prazo é, a rigor, improrrogável, mas o Superior Tribunal de Justiça tem entendido que as peculiaridades de algumas situações justificam a ampliação desse prazo, em prol da finalidade maior: a recuperação da entidade16.

Neste cenário do stay period, o clube reprime a apropriação de seu patrimônio por constrições judiciais inerentes às execuções ajuizadas, preservando a liquidez, facilitando as negociações com os titulares dos créditos e conservando a atividade exercida.

Como se vê, inúmeras são as vantagens de conceder a Recuperação Judicial para instituições com potencial de soerguimento e que exercem relevante função social, eis que mantêm-se os postos de trabalho e as contribuições tributárias, sustentando o ciclo econômico virtuoso ao permitir que estes trabalhadores mantidos em seus cargos despendam de seus salários, aumentando o faturamento das empresas, que contratarão ainda mais, acarretando em trabalhadores contratados que usufruirão também de seus proventos mensais e assim por diante.

Assim, ante a importância deste mercado, resta imprescindível a manutenção de seus players, permitindo que estes façam jus à utilização da Recuperação Judicial, com base em uma construção principiológica, sistemática e teleológica, aplicando-se a teoria do diálogo das fontes, com o objetivo do artigo 1º da lei 11.101/05 ser interpretado juntamente com o artigo 27, § 6º, da Lei Pelé, de forma que o ordenamento jurídico seja analisado de uma maneira macro sistêmica.

Isto porque, como exposto anteriormente, apesar da Lei de Recuperação e Falência não abarcar a oportunidade de fruição da Recuperação Judicial às associações sem fins lucrativos, esta, ao mesmo tempo, não veda expressamente a utilização deste instituto por instituições constituídas sob este formato societário.

Assim, injusto seria nesta circunstância dar uma interpretação extensiva ao dispositivo legal, impossibilitando os clubes de usufruírem do instituto da Recuperação Judicial, possivelmente o único remédio para a crise econômico-financeira vivenciada por estes.

Em breve, caso aprovado no Senado e sancionado pelo Presidente da República, o PL 5.082/2016 facilitará o requerimento de Recuperação Judicial pelos clubes de futebol constituídos sob o formato empresarial, o que talvez impulsione a transformação societária das instituições desportivas. No entanto, no que concerne às associações sem fins lucrativos, que não venham a se transformar em clube-empresa, estes poderão se valer do instituto da Recuperação Judicial com base na construção defendida neste trabalho.

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1 Futebol brasileiro patina com modelo antigo que limita crescimento.. Acesso em 22/12/2020 às 12:05.
2 Ligas: Premier League (Inglaterra), Bundesliga (Alemanha), LaLiga (Espanha), Ligue 1 (França) e Série A (Itália)
3 Análise Econômico-Financeira dos Clubes Brasileiros de Futebol.. Acesso em 22/12/2020 às 15:40
4 PL 5516, de 2019.. Acesso em 22/12/2020 às 17:25
5 PL 68, de 2017. Acesso em 22/12/2020 às 17:25
6 Clubes-Empresa: Red Bull Bragantino (Sociedade Empresária Limitada), Botafogo de Ribeirão Preto (Sociedade Anônima Fechada) e Cuiabá (Sociedade Empresária Limitada)
7 Art. 27. As entidades de prática desportiva participantes de competições profissionais e as entidades de administração de desporto ou ligas em que se organizarem, independentemente da forma jurídica adotada, sujeitam os bens particulares de seus dirigentes ao disposto no art. 50 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002, além das sanções e responsabilidades previstas no caput do art. 1.017 da lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002, na hipótese de aplicarem créditos ou bens sociais da entidade desportiva em proveito próprio ou de terceiros.
(…)
§ 6º Sem prejuízo de outros requisitos previstos em lei, as entidades de que trata o caput deste artigo somente poderão obter financiamento com recursos públicos ou fazer jus a programas de recuperação econômico-financeiros se, cumulativamente, atenderem às seguintes condições: I – realizar todos os atos necessários para permitir a identificação exata de sua situação financeira; II – apresentar plano de resgate e plano de investimento; III – garantir a independência de seus conselhos de fiscalização e administração, quando houver; IV – adotar modelo profissional e transparente; e V – elaborar e publicar suas demonstrações financeiras na forma definida pela Lei no 6.404, de 15 de dezembro de 1976, após terem sido auditadas por auditores independentes; V – apresentar suas demonstrações financeiras, juntamente com os respectivos relatórios de auditoria, nos termos definidos no inciso I do art. 46-A desta Lei.
8 TEIXEIRA, Pedro Freitas; BRAGA FILHO, Vanderson Maçullo. Recuperação judicial, extrajudicial e falência de associações civis desportivas. Revista dos Tribunais: RT, São Paulo, v. 107, n. 996, p. 393-441, out. 2018.
9 Decisão Candido Mendes.. Acesso em 24/01/2021 às 13:27.
10 Agravo de instrumento 0031515-53.2020.8.19.0000, 6ª Câmara Cível do TJ/RJ, Des. Rel. Nagib Slaibi, julgado em 2.9.2020
11 Botafogo não poderá adotar a recuperação judicial, dizem especialistas.. Acesso em 24/1/2021 às 13:41.
12 TEIXEIRA, Pedro Freitas; BRAGA FILHO, Vanderson Maçullo. Recuperação judicial, extrajudicial e falência de associações civis desportivas. Revista dos Tribunais: RT, São Paulo, v. 107, n. 996, p. 393-441, out. 2018.
13 Clubes brasileiros batem R$ 6 bilhões de receitas em 2019, mas endividamento é maior.
14 TEIXEIRA, Pedro Freitas; BRAGA FILHO, Vanderson Maçullo. Recuperação judicial, extrajudicial e falência de associações civis desportivas. Revista dos Tribunais: RT, São Paulo, v. 107, n. 996, p. 393-441, out. 2018.
15 TEIXEIRA, Pedro Freitas; BRAGA FILHO, Vanderson Maçullo. Recuperação judicial, extrajudicial e falência de associações civis desportivas. Revista dos Tribunais: RT, São Paulo, v. 107, n. 996, p. 393-441, out. 2018.
16 TEIXEIRA, Pedro Freitas; BRAGA FILHO, Vanderson Maçullo. Recuperação judicial, extrajudicial e falência de associações civis desportivas. Revista dos Tribunais: RT, São Paulo, v. 107, n. 996, p. 393-441, out. 2018.

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*Guilherme Santos Macêdo é bacharel em Direito pela PUC/RJ. Sócio do escritório Marcello Macêdo Advogados.

Publicado em: https://www.migalhas.com.br/depeso/340429/a-recuperacao-judicial-dos-clubes-de-futebol