09 de dezembro de 2024 Potencialidades e estratégias das SAFs no Brasil

Passados quase dois anos da promulgação da Lei 14.193/2021 (Lei das SAF), é irrefutável que as Sociedades Anônimas do Futebol (SAF) já integram a tessitura da realidade do futebol nacional. Embora a adesão por parte dos grandes clubes ainda não se revele numericamente extensiva, o panorama vigente sinaliza que o incremento dessa adesão não passa de mera questão de tempo, até que outras marcas de grande envergadura sigam o mesmo caminho.

Cabe ressaltar, inegavelmente, que os clubes de maior projeção no cenário brasileiro já monitoram atentamente as oscilações do mercado, assegurando que não se vejam relegados na contenda pela consecução de novas fontes de receita, missão crucial nesse contexto econômico contemporâneo do futebol profissional no Brasil.

Hoje, é inadmissível descartar por completo qualquer potencialidade que possa estimular e atrair novos investimentos por parte dos clubes. A negligência nesse aspecto implicaria em um distanciamento das evoluções do setor.

A ascensão vertiginosa das receitas de alguns clubes suscitou a apreensão relativa à potencial “espanholização” do futebol brasileiro, uma conjuntura onde apenas um par de agremiações monopolizariam a corrida pelos títulos nacionais, em virtude do desequilíbrio financeiro face às demais. Essa perspectiva é antagônica ao caráter do futebol brasileiro, reconhecido pela multiplicidade de times capazes de conquistar os campeonatos, um princípio que tem sido gradativamente mitigado com o transcorrer dos anos.

Consequentemente, emerge uma nova premissa no cenário do futebol profissional no Brasil: aqueles que almejam permanecer na vanguarda deverão consolidar, e pulverizar, mais fluxos de receita. Isso não se restringe à amplificação das receitas tradicionais, como aquelas oriundas da comercialização de direitos de transmissão, angariação de patrocinadores e venda de ingressos. Essa missão envolve a criação de novas fontes de receita, e é nesse contexto que a SAF pode se configurar como a estrutura jurídica habilitadora dessa conquista.

É fundamental compreender que, de modo oposto ao que aparenta, a SAF pode ser benéfica não só para os clubes endividados que já se veem acuados, sem outras alternativas viáveis para sua subsistência, mas também para todas as outras associações desportivas que gozam de solidez financeira. Por exemplo, a adoção desse novo paradigma societário pode efetivamente se erigir como uma ferramenta proveitosa para uma variada gama de clubes, independentemente de suas dimensões e das estratégias almejadas. Isso abrange até mesmo os que, embora formalmente estabelecidos como associações, apresentem modelos de governança eficazes e resultados financeiros exemplares.

Como notável, nos primeiros passos, a transição para a SAF foi primariamente adotada por agremiações em situação inquestionável de insolvência. Sendo privadas de alternativas, tais clubes se viram em uma posição de desvantagem nas negociações com investidores, resultando em uma perda de controle sobre suas SAF, imposta pela realidade da necessidade.

Constitui observação crucial que a abdicação do poder de controle não é necessariamente um ato de desespero por parte do clube. Desde que essa escolha esteja alinhada com sua estratégia e seja resultado de um planejamento apropriado, essa renúncia pode ser justificada. Por exemplo, em cenários em que, após uma análise profunda, um clube reconheça que, em virtude de sua dinâmica política, é mais prudente – ou menos arriscado – transferir o controle para um investidor capaz e imune às turbulências políticas e crises internas.

Não obstante as circunstâncias que motivem um clube a abrir mão do controle de sua SAF, é crucial que seus dirigentes formalizem um acordo acionário abalizado, assegurando direitos que transcendem o mero regramento legal. Mesmo na condição de acionista minoritário, o clube deve ser provido de prerrogativas que o acionista majoritário deve respeitar.

Nesse contexto, é relevante destacar que, além dos dispositivos engendrados pela Lei da SAF, a Lei 6.404/76, conhecida como Lei das Sociedades por Ações, também provê cláusulas para salvaguardar os direitos do acionista minoritário.

Também se insere nesse espectro o cenário de clubes cujo escopo principal abrange a formação de atletas, sem a ambição de almejar títulos de grande porte. Nesses casos, a adoção da estrutura da SAF pode ser mais vantajosa, dado o regime tributário diferenciado, quando comparado a outras modalidades societárias. Entretanto, a viabilidade dessa opção dependerá da habilidade dos investidores em balancear esses benefícios com as obrigações subjacentes.

Uma alternativa viável é a constituição de uma SAF que mantenha o controle dos ativos relacionados ao futebol, mas sem abrir mão do poder de comando. Nesse paradigma, a associação instituidora da SAF retém a maioria das ações votantes e busca a parceria de investidores estratégicos, que fornecerão não apenas capital, mas também expertise, ampliação de redes de contatos, acesso a diferentes indústrias – como outros segmentos do entretenimento – e novos mercados. Isso equivale ao conceito de “smart money”.

Um caso ilustrativo desse arranjo é o do Bayern de Munique. Consolidado como líder no futebol alemão, em grande medida devido a acordos comerciais bem-sucedidos, o FC Bayern München e.V. – a associação mantenedora do clube – retém o controle acionário da FC Bayern München AG, uma empresa que detém os direitos futebolísticos. Além disso, a Adidas, a Allianz e a Audi participam como acionistas minoritários, com participações iguais. Essas entidades sólidas de diferentes setores contribuem significativamente para a governança do clube e para sua longevidade. Ainda que a associação mantenha o controle majoritário, esses parceiros institucionais contribuem para a estratégia e planejamento do clube.

É crucial enfatizar que atrair parceiros desse calibre requer que a associação adote uma estrutura profissional, amparada por sólidas práticas de governança, um robusto programa de conformidade, entre outros princípios. Caso contrário, investidores qualificados podem se manter à distância.

Dessa maneira, é plausível que um clube brasileiro bem-organizado opte por estabelecer uma SAF, transfira seus ativos futebolísticos para a nova entidade e busque atrair parceiros estratégicos sem ceder o controle. Contudo, é vital reforçar que os investidores somente concordarão em não exercer o controle acaso a associação preencher todas as bases, mantendo uma estrutura robusta de governança.

Para clubes com uma estrutura sólida, essa abordagem pode se revelar uma tática interessante para assegurar a preservação da boa governança, exigindo uma melhoria ainda mais acentuada de sua infraestrutura para atrair e manter investidores de qualidade.

Outra perspectiva é a constituição de uma SAF com o propósito de acessar o mercado de capitais, mantendo a totalidade das ações votantes sob seu domínio, enquanto negocia valores mobiliários, tais como debêntures. Quando se trata da transação de valores mobiliários, é possível que a SAF realize um IPO (Oferta Pública Inicial), expandindo sua base de acionistas através da pulverização de ações na economia popular e oferecendo incentivos atrativos dentro de programas de sócio-torcedor.

O caso intrigante do Borussia Dortmund ilustra essa dualidade. A associação mantém o controle de seu “clube-empresa”, congregando sócios institucionais e estratégicos, como o grupo alemão Signal Iduna, especializado em seguros e finanças, e a Evonik Industries, empresa multinacional de produtos químicos. Simultaneamente, a associação mantém 67,24% de suas ações disponíveis para negociação no mercado.

Ainda é viável que uma SAF seja instituída com objetivos distintos ao controle do futebol. A análise da Lei da SAF permite identificar uma ampla gama de atividades contempladas pela estrutura, como:

  • Fomento e desenvolvimento de atividades futebolísticas, englobando tanto o futebol feminino quanto masculino;
  • Formação de atletas profissionais de futebol e a obtenção de receitas provenientes da transferência de seus direitos esportivos;
  • Exploração de direitos de propriedade intelectual próprios ou de terceiros relacionados ao futebol;
  • Exploração de ativos, inclusive imobiliários, dos quais detenha direitos;
  • Participação em outras sociedades com objetivos afins, no território nacional.

Essa flexibilidade viabiliza a criação de SAFs especializadas para finalidades específicas, como a gestão dos direitos de mídia ou a promoção de eventos. O exemplo do Manchester United, que engloba uma miríade de entidades, incluindo uma dedicada a empreendimentos imobiliários, e o caso do Borussia Dortmund, que estabeleceu um conjunto de empresas abrangendo diversos segmentos, como eventos e catering, ilustram a adaptabilidade desse modelo.

Em síntese, as potencialidades compreendidas dentro dos limites da Lei da SAF são vastas e multifacetadas. A tarefa de cada clube é discernir o modelo mais adequado à sua realidade. Para tanto, é imperativo que se compreenda o próprio modelo de negócios, através de diagnósticos abrangentes que englobem aspectos financeiros, governança, operacionais e políticos. Estabelecer objetivos de curto, médio e longo prazo é crucial para traçar uma estratégia congruente com a visão do clube.